A história da Casa do Brasil em Lisboa confunde-se de certo modo com a imigração brasileira para Portugal. A Casa do Brasil de Lisboa (CBL) foi criada há 30 anos por um grupo de pessoas que lutam com questões como a legalização e reconhecimento de diplomas acadêmicos, e tem sido um pilar de apoio para muitos dos brasileiros que chegam. Primeiro para apoiar, no início dos anos 1990, uma comunidade que na época somava cerca de 30 mil pessoas (incluindo os indocumentados), segundo Carlos Vianna, um dos fundadores da CBL, com Virgínia Paiva e Lea Campos. Hoje, o CBL continua a ser uma âncora em várias frentes para os brasileiros que cá vivem: são já o maior número de sempre e representam a maior comunidade imigrante em Portugal com 210 mil pessoas, dados de março do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Esta quinta-feira, pelas 18h30, arrancam as comemorações das suas três décadas, na sede em Lisboa, com um discurso sobre os movimentos sociais e a imigração em Portugal. Carlos Vianna e Cyntia de Paula, atual presidente, são alguns dos palestrantes.
Longe vão os tempos em que em 1992 a CBL tinha a sua morada na Associação Caboverdiana, que simpatizava com eles enquanto não tinham sede. “O primeiro acto da comissão de instalação foi angariar dinheiro e por isso fizemos uma festa no Voz da Operário, um Véspera de Ano Novo, que foi um sucesso, chegou a 300 e tantas pessoas. Ele nos deu 300 contos, e isso já nos permitia fazer alguma coisa”, lembra Carlos Vianna, que rapidamente juntou histórias sobre a CBL uma após a outra, e que nunca mais saiu dessa associação. Vive em Portugal desde 1988 e foi presidente da CBL durante sete anos, por três mandatos.
Com a sua atual sede no Bairro Alto, em Lisboa, não muito longe da sua casa até há 12 anos no Jardim de S. Pedro de Alcântara, a Casa do Brasil apoia os imigrantes na sua regularização, organiza grupos de ajuda mútua e é um espaço de debate. Tem também uma vertente lúdica e cultural, algo que já existia desde o início, refere o fundador. “Em 1992, havia apenas três lugares onde se podia tomar uma caipirinha – a Casa do Brasil e dois restaurantes. Muitos iam para a Casa do Brasil, period uma coisa exótica”, lembra com um sorriso.
Após a primeira onda no início dos anos 1990, em que chegaram muitos brasileiros da classe média urbana e qualificada, como dentistas e publicitários, foi no remaining dos anos 1990 que mais imigrantes vieram para Portugal em busca de trabalho. Eram pessoas menos qualificadas, da classe trabalhadora, que se dedicavam à construção civil, comércio e restauração; eram várias mulheres e muitos jovens, descreve Carlos Vianna. O fluxo cresceu e culminou em um “bolso de migrantes indocumentados” de pelo menos 30.000 pessoas. Segundo um relato, a CBL pressionou o governo brasileiro, então liderado por Lula da Silva, a pressionar o governo português, e em 2003 foi o chamado “Acordo de Lula” que legalizou milhares de pessoas.
Dados anuais do SEF mostram mudanças nos fluxos: em 2003 eram cerca de 26.500 brasileiros legalizados, em 2010 eram cerca de 119.000, mas a partir de então começou a diminuir, chegando a cerca de 81.000 pessoas em situação common em 2016. A partir de 2019 foi um salto, quando chegou a mais de 151 mil, com 183 mil em 2021. Agora sabe-se que em 2022, até março, já são 210 mil.
No complete, o fundador da CBL estima que os brasileiros com situação jurídica, os que estão em processo de legalização e os que já possuem cidadania portuguesa sejam cerca de 300 mil.
“Com os governos Temer e Bolsonaro, veio muita gente com ensino superior, e também existe um fluxo do que chamamos de ‘burguesia’, que é menos numerosa, mas tem grande poder econômico”, diz Carlos Vianna. “Também há um certo número de artistas e intelectuais de renome que vivem em Portugal por questões de segurança.”
Com o aumento da imigração brasileira, a CBL ganhou importância. A grande diferença de 30 anos atrás é que “os imigrantes hoje querem mais cidadania”. “Os brasileiros tentam imediatamente ser cidadãos portugueses quando vivem aqui por alguns anos, mas acho que falta representatividade na sociedade. O desafio é a cidadania e a representação política e profissional – além de continuar as lutas permanentes, como a burocracia.”
Interseccionalidade e feminismo
Funcionária da CBL desde 2012, presidente desde 2017, Cyntia de Paula diz que “muita coisa mudou” nos últimos anos devido à mudança da sociedade brasileira. “É uma sociedade mais qualificada, altamente politizada, que nos procura e nos obrigou a procurar outras respostas e a continuar o trabalho político que sempre tivemos. Mas nos obrigou a expandir para outros temas, por exemplo a questão do feminismo, que se fez presente e se tornou nossa missão, trabalhar com a imigração a partir dessa perspectiva interseccional.”
Por outro lado, os espaços de encontro e debate sobre temas como participação política, violência de gênero, racismo e discriminação têm aumentado dentro de casa. Eles se propuseram a qualificar a equipe para trabalhar questões como discurso de ódio e dar respostas para a comunidade, que “mudou muito com a chegada dos estudantes a partir de 2019/20 e pessoas com muita participação em movimentos sociais e políticos” O atual presidente destaca o fato de a CBL ser “aberta e acolhedora a outros coletivos brasileiros que surgiram nos últimos tempos” e diz: “Nos últimos dez anos conseguimos manter diálogo com o poder público, exigir política e ampliar nossas parcerias.”
Apesar de terem operações físicas em Lisboa e por isso, até há pouco, a sua atuação estar mais centrada nesta área geográfica, com a pandemia e o desenvolvimento da videocomunicação, reforçaram a equipa de atendimento externo. “Evoluímos a esse nível”, comenta. Também têm prestado apoio a brasileiros que ainda não saíram do país, mas pretendem imigrar para Portugal.
Um dos desafios do momento é ajudar essa sociedade cada vez mais qualificada a entrar no mercado de trabalho qualificado; eles têm, portanto, estado em diálogo com os órgãos profissionais. Outra preocupação é “as condições de trabalho de quem trabalha em serviços como restaurantes e hotéis”. Ainda experimentamos muitas desigualdades quando se trata de imigrantes e pessoas racializadas.” E há também a questão da heterogeneidade: “É preciso entender que as questões imigratórias são multifacetadas. Mulheres, negros, pessoas LGBTQI+ têm experiências diferentes e por isso temos que olhar para o racismo e a LGBTQIfobia. Denúncias de xenofobia e racismo são diárias. A mulher brasileira ainda é vista como uma prostituta, um corpo disponível”, comenta Cyntia de Paula.
A base é a participação política, uma luta ao longo destes 30 anos e um desafio para o futuro. E diz: “A sociedade brasileira é a maior, a que tem mais direitos políticos [são os únicos imigrantes que podem votar em quase todas as eleições e podem pedir estatuto de igualdade] e quase não tem representação.”