Brasil – A crítica aberta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à atual meta de inflação, inferior à do governo anterior, deixou no mercado uma sensação de possibilidade de revisão da meta perseguida pelo Banco Central em sua política de juros. No entanto, a retórica petista ainda não gerou iniciativas práticas de mudança.
Segundo vários interlocutores do governo ouvidos pela Folha de S.Paulo, até o momento não há discussão técnica sobre a mudança da meta de inflação.
O caso veio à tona porque Lula criticou publicamente as metas estabelecidas nos últimos anos – 3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025, com margem de tolerância de cerca de 1,5 ponto percentual. Petista também reclamou dos juros altos, que acredita contribuir para o alto endividamento das famílias e atrapalhar o consumo.
“Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando você faz isso, precisa apertar ainda mais a economia para chegar a esses 3,7%. Por que eu tive que fazer 3,7%? Por que não fazer 4,5% como nós [nos mandatos anteriores]? A economia brasileira precisa voltar a crescer”, disse ele à GloboNews em 18 de janeiro.
O mercado teme que o presidente aposte seus tokens em uma meta de inflação mais alta na tentativa de fazer o Banco Central baixar a taxa básica de juros Selic, que hoje está em 13,75%. Essa seria uma das poucas formas de o PT exercer alguma influência sobre a política monetária, já que o BC tem autonomia authorized.
O ponto central do debate é se uma possível mudança teria o efeito desejado, já que o aumento da meta poderia transmitir a mensagem de um governo mais tolerante com os aumentos de preços.
Nesse cenário, os operadores econômicos se sentiriam incentivados a repassar os ajustes na expectativa de que seus próprios custos aumentassem, pressionando ainda mais os preços – que já vinham subindo de forma acelerada. No ano passado, a inflação superou a meta pelo segundo ano consecutivo, fechando em 5,79%.
Durante a campanha, a questão da meta de inflação chegou a ser discutida nos grupos técnicos da Fundação Perseu Abramo, filiada ao PT. O ponto de partida foi um olhar crítico sobre as recentes quedas promovidas desde o governo de Michel Temer (MDB).
Segundo os entrevistados, os economistas do partido decidiram que, depois de baixar a meta de inflação, seria difícil voltar a um patamar mais alto, sob pena de quebrar as expectativas dos agentes econômicos.
À medida que o debate se intensifica, membros do governo Lula relatam à reportagem que estão atentos às críticas do mercado. Por sua vez, os aliados políticos do presidente veem uma oportunidade para o PT usar o discurso mais como uma bandeira política.
A meta de inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que reúne os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Formalmente, a determinação da meta depende de três votos.
Na programação regular do CMN, o tema é discutido nas reuniões de junho, sempre com vários anos de antecedência. Por exemplo, a previsão para este ano é estabelecer uma meta de inflação a ser cumprida em 2026.
No entanto, nada impede que o tema seja discutido antes de junho, se for conduzido por um dos membros do colegiado. A primeira reunião do CMN está marcada para 16 de fevereiro, depois que a reunião de janeiro foi cancelada por falta de resoluções a serem analisadas ou aprovadas, segundo as autoridades envolvidas.
Um dos idealizadores do regime de metas de inflação adotado no Brasil em 1999, o economista Sergio Werlang, ex-diretor do % ou 4,5%.
Segundo ele, uma meta baixa “desmoraliza o sistema”. “Você acaba dando um número que não é viável, o que obriga o BC a ser muito conservador, sobe muito a taxa de juros. E mesmo assim, mais do que qualquer outra coisa, ele comete erros com frequência”, diz.
Ele também argumenta que a meta de cerca de 3% é muito baixa para a capacidade da economia brasileira, embora outros países emergentes como o Chile adotem o mesmo parâmetro.
“Esses emergentes mais organizados têm uma estrutura fiscal muito melhor que o Brasil, é muito mais fácil equilibrar o orçamento nesses países. Rácio dívida/PIB [Produto Interno Bruto] é muito mais limitado do que no Brasil, o gasto fiscal aqui é muito rígido”, diz.
Werlang defende que o CMN repete a fórmula de metas ajustadas utilizada em 2003, no início do primeiro mandato do governo Lula, quando a meta perseguida pelo BC foi flexibilizada em 2003 e 2004 para acompanhar a trajetória da inflação projetada nos anos seguintes – sob pressão valorização significativa do dólar e transferências de custos.
Agora, em sua opinião, uma nova mudança é necessária para que o sistema de metas e a própria autoridade monetária recuperem a credibilidade abalada pelos recentes colapsos – o que deve acontecer novamente em 2023.
“Se essa transição não for bem feita, pode ser pior do que mantê-la como está. Mas se você fizer certo, você recuperará a credibilidade.”
Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central (no governo Lula) e ex-ministro da Fazenda (no governo Temer), se opõe a uma possível revisão com base em metas revisadas, argumentando que o problema da inflação no Brasil não é mais estrutural, como no passado.
“Naquela época, sem reservas e com o dólar muito alto, period preciso acumular reservas, baixando gradativamente a meta de inflação. Isso nos levou a definir metas incrementais”, diz ele.
“Hoje o Brasil não tem problema de câmbio, a inflação é uma questão de expectativa dos agentes econômicos por conta dos problemas fiscais.”
Meirelles foi um dos impulsionadores do processo de redução das metas de inflação no governo Temer. O defensor da medida diz que é “mais importante do que nunca” não mudar a meta a ser perseguida “para que o BC possa controlar essas expectativas e trazer a inflação para a meta”.
Meirelles acredita que um possível argumento para Lula defender uma meta em torno de 4,5%, levando em conta a inflação mais alta, é abrir espaço para cortes de juros mais rápidos e mais crescimento interno.
“Se for [raciocínio]não vai funcionar assim. À medida que a meta de inflação mudar, vamos piorar as expectativas, criar mais incertezas, criar mais problemas e forçar o BC a ser ainda mais duro.”
Tony Volpon, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, também vê como negativa qualquer flexibilização da meta de inflação. “Talvez tenha sido um erro introduzir 3%, mas agora não é hora de mudar”, diz.
Para ele, qualquer ganho com a mudança seria anulado pela reação negativa do mercado financeiro. “Haveria um ajuste nas taxas [de juros] taxas nominais de forma que as taxas reais ficariam ainda mais oneradas pela perda de credibilidade”, diz.
Outro economista que acredita que qualquer aumento na meta de inflação será contraproducente é Heron do Carmo, professor do Departamento de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Ele relembra o histórico inflacionário do país, vê a medida como um fator para diminuir as expectativas e acredita que será “muito caro” retomar o controle.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse mais de uma vez que qualquer mudança nas metas futuras não é apenas uma decisão das autoridades monetárias, mas enfatizou que tal decisão não seria benéfica para a ação no combate à inflação.
“O BC tem um voto em cada três do CMN. Pode ser discutido na CNM, mas a opinião do BC hoje é que ganharia pouca credibilidade”, disse Campos Neto em março de 2022.
Werlang, por outro lado, lembra que o formato do sistema de metas foi pensado para tornar a autoridade monetária um voto minoritário, justamente porque o Banco Central e seus membros são “mais conservadores” em relação à inflação.
“O sistema foi pensado para que a decisão sobre a meta de inflação fosse externa ao BC, para que o BC tivesse voz, mas para que não fosse o voto decisivo”, diz. (Nathalia Garcia, Idiana Tomazelli e Catia Seabra/Folhapress)