O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) volta de sua primeira viagem internacional, cumprindo uma de suas promessas eleitorais: reintegrar o Brasil ao mundo. Começou na América Latina, reintegrando também o país política e comercialmente com a região a que pertence.
Foram dois pontos que inauguraram a agenda internacional do atual governo. A primeira, a participação na cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), na terça-feira (24 de abril), em Buenos Aires, Argentina. A sétima edição do encontro reuniu representantes de 33 países da região e marcou o retorno do Brasil à organização.
Na quarta-feira (25), uma delegação brasileira partiu para o Uruguai para tratar de assuntos mais relacionados ao Mercosul e amenizar as tensões que surgiram desde que o presidente do país, Luis Lacalle Pou, avançou nas negociações diretas com a China, fora do bloco. O encontro de Lula com Lacalle Pou marcou a importância do Uruguai nesse sentido e a oportunidade de rever suas demandas como membro do Mercosul.
retomada do diálogo
A parada ultimate antes do retorno ao Brasil foi parte importante da agenda internacional de Lula, retomando o diálogo do país com governos de diferentes correntes políticas. O Uruguai agora é governado pela centro-direita, e o encontro de Lula com Lacalle Pou representou esse relançamento depois que o Brasil esteve isolado por Jair Bolsonaro (PL) nos últimos quatro anos.
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“Os presidentes não precisam gostar de mim”, disse Lula durante entrevista coletiva com o presidente do Uruguai em Montevidéu. “A relação entre os dois chefes de Estado exige duas coisas: o respeito pela soberania de cada país e o interesse de fazer o bem ao povo de cada país.”
“O espaço da integração deve ser de progresso em política de estado, não de governo, e uma boa articulação com o Uruguai pode criar política de estado”, diz o analista e professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Mark Cordeiro.
Ele lembra que a perspectiva de um acordo de livre comércio com a China e os Estados Unidos já foi pautada pelo governo da Frente Ampla com o ex-presidente uruguaio Tabaré Vázquez. Este seria um possível acordo de livre comércio com outros países com acesso privilegiado aos países do Mercosul, o que significaria uma ameaça às indústrias brasileira, argentina e paraguaia. “Isso é algo que não faria sentido do ponto de vista da integração regional”, aponta Cordeiro.
— Brasil de Fato (@brasildefato) 26 de janeiro de 2023
Durante o encontro bilateral, Lula e Lacalle Pou discutiram questões relacionadas à infraestrutura, como, por exemplo, trabalho na hidrovia e ponte binacional e relações multilaterais.
– Vale ressaltar que o principal ponto de integração do Mercosul é o setor automotivo, que representa pelo menos 50% do whole. todas as exchanges do bloco – ressalta. “Mas quem são os líderes desse processo de integração? São empresas multinacionais da América do Norte, Europa ou Japão. Portanto, precisamos avançar em termos de integração para criar potencial industrial e competitividade em nossa região. Essa questão resolvida com o Uruguai sinaliza um caminho mais tangível para que essa integração aconteça”.
Integração regional
A presença de Lula na Cúpula da CELAC e o rico programa de Buenos Aires também significaram a reinserção do Brasil em vários temas transversais para a região – especialmente aqueles relacionados a processos que ameaçam a democracia e a soberania territorial.
Foto da 7ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da CELAC / Governo da Argentina
“A maioria dos presidentes [na Celac] Parabenizei Lula pela presença basic e esperada na cúpula”, comenta a doutora Tamara Lajtman, pesquisadora do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag), na Argentina.
“A reintegração do Brasil à CELAC marcou a agenda da cúpula, assim como o retorno do Brasil aos grandes fóruns multilaterais”, diz. “No caso da Celac, podemos pensar em alguma reviravolta geopolítica entre Brasil, Argentina, México e Colômbia, com apoio financeiro e político para a entidade que deve ganhar força nos próximos anos.”
Nesse sentido, o Brasil volta a ser visto como uma espécie de liderança regional que também pode dar mais peso aos próprios objetivos da organização. Durante o discurso de abertura da cúpula, o presidente argentino Alberto Fernández, na qualidade de presidente professional tempore da CELAC, elogiou o Brasil por sua reintegração à organização. “A Celac sem o Brasil é muito mais uma Celac vazia”, disse.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, enfatizou a necessidade de fortalecer a posição da Celac na busca de seus objetivos como bloco. “Há uma distância enorme entre a retórica da integração latino-americana e a realidade. Falamos muito, mas fazemos pouco para que isso aconteça. E acredito que essa história deve mudar”, enfatizou Petro em seu discurso.
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“Hoje a Celac não tem uma estrutura institucional tão forte como a Unasul naquela época”, aponta Lajtman. “Agora há uma possibilidade concreta de reativar a Unasul porque há uma necessidade expressa pelos chefes de estado. Petro apontou com muita clareza a necessidade de dar mais mecanismos à Celac para que ela não seja apenas um fórum de diálogo”, diz.
As oportunidades de fortalecimento da CELAC em discussão nesse sentido, desafiando a influência regional perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), incluem a existência de uma sede, orçamento próprio e grupos de trabalho temáticos permanentes. No entanto, a Declaração de Buenos Aires, documento de resolução da cúpula, não indicou nenhum avanço nesse sentido.
Em seu discurso, Lula destacou a necessidade de aprofundar as relações regionais com outros blocos, como a União Africana, a Associação das Nações do Sudeste Asiático e a União Européia.
A cúpula foi encerrada com a transferência da presidência professional tempore para o país caribenho de São Vicente e Granadinas, que deverá dar maior peso aos temas relacionados à crise climática, cujas consequências atingem particularmente a região caribenha.
Alberto Fernández na abertura da Cúpula da CELAC / Reprodução
Novas perspectivas
A criação de uma moeda comum na região talvez tenha sido um grande tema que abriu debate, deixou algumas dúvidas e foi até usado pelo bolsonarismo para espalhar desinformação.
O assunto rendeu entrevista coletiva na Celac de Buenos Aires entre os ministros da Economia, Fernando Haddad, do Brasil, e Sergio Massa, da Argentina.
“O governo brasileiro fala em uma moeda comum para o comércio que seria diferente de uma moeda única”, explica Marcos Cordeiro, lembrando que a moeda comum é como o euro da União Europeia, que substituiu as moedas locais e criou problemas para os países com alta inflação. É por isso que Grécia, Espanha, Itália e Portugal já cogitaram abandonar a moeda única do bloco europeu.
“Esses países tinham uma dívida maior e uma taxa de inflação diferente, por exemplo, da Alemanha, que não gerou nenhuma compensação. Esses países não saíram do bloco por um centavo”, explica. “Se você tem inflação mais alta na Grécia, significa que o produto está mais caro e a produtividade é menor. A competitividade da Grécia caiu tanto que os gregos assumiram uma perda de 20% do poder de compra para permanecer na zona do euro. Com divergências políticas na América Latina e no Caribe, uma moeda comum é inviável. Fala-se de uma moeda comum que serviria ao comércio entre os países”, destaca Cordeiro.
As diferenças começam já na discussão da proposta. O presidente mexicano, André Manuel López Obrador, já enfatizou que não está interessado na moeda única.
“É mais fácil entender a posição do México devido à sua dependência econômica dos Estados Unidos, mas alguns países, como a Venezuela, já demonstram interesse em continuar com essa proposta”, destaca Lajtman. “Em geral, acho que podemos pensar na reentrada do Brasil como um reforço do peso político que a Celac pode ter no plano internacional, trazendo a voz coletiva da região para fóruns multilaterais, relançando os Brics and many others”, diz, referindo-se ao bloco que o Brasil está integrando com Índia, China, Rússia e África do Sul. “Nesse sentido, devemos ficar atentos à reação dos Estados Unidos, que será uma das próximas visitas de Lula. Haverá uma pressão muito forte para que o Brasil não fortaleça os Brics.
Edição: Thales Schmidt