Mais de 100 mil brasileiros estão em situação irregular em Portugal

VICENTE NUNES Correspondente

postado em 30.01.2023 03:30


(crédito: Arquivo pessoal)

Lisboa – Mais de 100 mil brasileiros estão em situação irregular em Portugal à espera do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão responsável pela concessão de autorizações de residência e trabalho no país europeu. Os dados foram repassados ​​ao senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR) pelos três consulados e pela embaixada brasileira em território português. O valor coincide com o divulgado recentemente pelo ministro da Administração Inside, José Luís Carneiro, a que está subordinado o órgão responsável pelo sistema de imigração português. Ele afirma que a lista de espera do SEF ultrapassa 200 mil pessoas, a maioria brasileiras.

A demora do SEF na legalização de estrangeiros cria enormes problemas sociais. “Sem a documentação necessária, essas pessoas não conseguem empregos formais, nem abrem contas em bancos nem alugam imóveis”, diz o senador. “O resultado é um aumento da vulnerabilidade dos imigrantes. O que observamos nas visitas a Lisboa, Porto e Faro, onde ficam os três consulados, foi uma situação dramática entre os brasileiros. Encontramos pessoas vivendo em condições subumanas”, aponta out, o parlamentar, encarregado de apresentar ao Senado um case sobre a realidade dos brasileiros em Portugal.


Os relatos de pessoas indocumentadas são comoventes. Há 15 dias, um casal com uma criança foi resgatado a dormir numa estação de comboios perto de Lisboa. Marido e mulher desembarcaram em Portugal confiantes de que um dos dois encontraria imediatamente um emprego, garantindo recursos para aluguel e alimentação. Dois meses se passaram e o emprego esperado não veio. Sem dinheiro para pagar o aluguel do native onde estavam temporariamente, foram despejados.

“É um facto que todas as comunidades de estrangeiros residentes em Portugal enfrentam dificuldades”, sublinha o deputado português João Moura, do PSD. “Portugal e toda a Europa atravessam um momento muito especial, com inflação elevada (cerca de 10% ao ano) e rendas caras (alta média de 37% em 2022)”, acrescenta. No entanto, reconhece que Portugal “mais do que nunca precisa dos brasileiros, pois enfrenta uma crise demográfica”. Falta mão de obra para serviços básicos, como no setor de turismo.

De nada serve ter estas oportunidades no mercado de trabalho se as autoridades portuguesas não forem obrigadas a oferecer condições dignas aos imigrantes que chegam ao país, pensa José Vicente, membro do coletivo Rede de Apoio Mútuo. “Há pessoas que aguardam regularização do SEF há mais de dois anos”, sublinha.

Repatriamento

Diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Vasco Malta reforça esta situação alarmante. Ele apresentou ao senador Chico Rodrigues dados nos quais estima que pelo menos 10% dos 233,1 mil brasileiros registrados oficialmente em Portugal têm problemas para permanecer no país. Isso significa que 23.300 estão impossibilitados de fechar suas contas no mês. “Se quem tem carteira assinada, quem pode trabalhar legalmente, enfrenta problemas, think about quem está na ilegalidade. Esses ficam à própria sorte”, diz o parlamentar.

O aperto que os brasileiros têm vivido tem sido tão forte que muitos preferem abandonar seus sonhos no meio do caminho e pegar o caminho de volta. Nos cálculos do diretor-geral da OIM, 903 brasileiros foram repatriados no ano passado com a ajuda da agência, o triplo do número observado três anos antes. Só em janeiro de 2023, que ainda não acabou, 1.050 brasileiros se inscreveram no programa da entidade para voltar ao país.

“São dados assustadores. E é notável que os pedidos de repatriamento tenham vindo de pessoas que chegaram a Portugal há pouco tempo, há algumas semanas. É uma vulnerabilidade precoce”, comenta o senador. Nesses casos, acredita ele, a maioria são vítimas de YouTubers, que espalham notícias falsas pela web. A publicidade enganosa é tão forte que o Judiciário português abriu uma investigação contra 22 influenciadores brasileiros.

Para Chico Rodrigues, tanto o Itamaraty quanto o Judiciário brasileiro deveriam solicitar informações às autoridades portuguesas sobre tais investigações, a fim de combater as faux information. – Outra ação importante é fortalecer os funcionários dos consulados, para que possam dar o suporte necessário a quem precisa. Esses órgãos estão há muito tempo sem licitação, enfatiza.

“Eu existo”

Com o desespero batendo à porta, os brasileiros que aguardavam a regularização de documentos do SEF decidiram se unir e lançar o movimento “Eu existo, com ou sem visto”. Recentemente, saíram às ruas de Lisboa numa marcha até à porta da Assembleia da República, o Parlamento português, como forma de pressionar os deputados a avançarem com projetos que facilitem o processo migratório. A primeira reação partiu do PSD, maior partido da oposição, que discutia um projeto de criação de uma agência de imigração. No entanto, a proposta foi derrubada pelo PS, partido do primeiro-ministro António Costa, que tem maioria na Assembleia Legislativa.

O governo, por outro lado, prometeu realizar a adiada reestruturação do SEF, que, refira-se, está sobrecarregado face ao forte aumento da imigração – há 757.200 estrangeiros a viver legalmente em Portugal. A proposta do PSD pretendia atribuir à agência de imigração a formulação da política pública, deixando o poder de polícia, que agora também é exercido pelo SEF, com o sistema de segurança. “A imigração tornou-se um problema público, que deve ser resolvido através de políticas públicas. A economia portuguesa depende dos imigrantes”, aponta o advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto.

Uma parte importante dos mais de 100 mil brasileiros que aguardam regularização junto ao SEF recorreu a um instrumento denominado manifestação de interesse. São pessoas que entraram em Portugal como turistas e ficaram. “A lei dá-nos esse direito, mas o Estado não está preparado para cumprir o que promete”, queixa-se Aisha Noir, 28 anos, que está em Lisboa há três anos. “Essa demora nos deixa em uma vulnerabilidade enorme. Muitas pessoas estão sendo exploradas por não terem documentos”, diz.

Depressão

Não é apenas. Os indocumentados, apesar de tudo que enfrentam, acabam mergulhados em graves problemas emocionais e mergulham na depressão. Isso abre caminho para uma série de problemas, inclusive a violência doméstica, que tem aumentado significativamente no país europeu. Muitos também ficam sem acesso adequado a serviços básicos como saúde, educação e transporte. “Uma humilhação”, aponta Débora Dias, do Coletivo Andorinha.

Na avaliação da psicóloga Bárbara Andrade, a imigração não é um ato trivial, é uma mudança estrutural da vida. “Ao perceberem que os planos no outro país não saíram como o esperado, muitos imigrantes acabam fragilizados. São eles que, mesmo nas dificuldades, não admitem o fracasso e a frustração, e se recusam a dar um passo atrás e partir de volta ao país de origem, porque investiram muito nesse processo”, explica. “Planejamento é tudo, mídia social não é vida actual”, complementa.

Como não existe uma ação estruturada por parte do governo português para receber imigrantes em dificuldade, o trabalho cabe a entidades civis. As igrejas também desempenham um papel importante. O pastor Fabrizio Santos, da Associação Adonai Church, destaca que nunca doou tantas cestas básicas para brasileiros em situação de vulnerabilidade como agora.

Na cúpula, Lula vai exigir regularização

A situação alarmante de mais de 100 mil brasileiros vivendo irregularmente em Portugal e aguardando atendimento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deve ser um dos principais temas da cúpula Brasil-Portugal agendada para abril. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi avisado de que há cidadãos que migraram para o país europeu em busca de melhores condições de vida, mas acabaram frustrados. Muitos não têm onde morar e passam fome.

O senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR) foi o responsável por preparar um caso para o Senado sobre a realidade dos brasileiros em terras lusitanas, viajando nos últimos cinco dias para os três principais centros de Portugal – Lisboa, Porto e Faro. “E a descoberta foi alarmante: são milhares de cidadãos do Brasil que precisam”, diz.

As investigações dos três consulados e da embaixada do Brasil em Portugal indicam que uma parte significativa dos mais de 100 mil brasileiros indocumentados entrou em território português como turistas. Agora recorrem a um meio na lei, a manifestação de interesse, para se legalizar.

A expectativa no governo brasileiro é de que Lula repita o feito alcançado em seu primeiro mandato, quando conseguiu fechar um acordo com o governo português sobre a legalização de brasileiros que viviam ilegalmente em Portugal até 2003. Foi o caso de Carlos Viana . “Já vivia há anos em Portugal, mas só depois do acordo entre os dois países é que consegui regularizar-me. Se a burocracia não atrapalhar, pode fazer-se uma nova negociação nesse sentido”, disse. destaques .

alunos

A agenda da cúpula também deve incluir acordos de reciprocidade entre estudantes brasileiros e portugueses. Embora vários pontos a este respeito estejam em vigor, pouco tem sido feito devido à negligência do Governo português. “Só em Coimbra são mais de 3.500 estudantes brasileiros. Em Faro são 1.500”, diz o senador. As reclamações estendem-se à equivalência de graus e diplomas. “Há também a questão da bitributação, que incide principalmente sobre os reformados brasileiros que decidiram viver em Portugal”, acrescenta.

Parte do descaso dos portugueses com essas questões decorre das más relações do país com o Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro. Foi o único presidente eleito do regime democrático que não visitou Portugal. Quando Lula venceu a última eleição, visitou Portugal, quando foi acertada a cúpula entre os dois países.


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