- Alicia Hernandez @por_puesto
- BBC Information World
Crédito, BBC MUNDO
Os migrantes podem experimentar muitos tipos de luto, mas certas condições podem causar a síndrome de Ulisses
“Não se deve expulsar as pessoas do seu país ou do seu país, nem pela força”, disse o poeta argentino Juan Gelman (1930-2014).
Mas existem cerca de 281 milhões de migrantes internacionais em todo o mundo (3,6% da população mundial), segundo dados de 2020 da ONU.
Alguns emigram porque querem, mas outros são forçados a emigrar. No last de 2019, havia mais de 79,5 milhões de pessoas deslocadas à força, segundo o ACNUR, a agência de refugiados da ONU.
Intencionalmente ou não, os migrantes podem sentir, como disse Gelman, uma “planta monstruosa” com raízes a milhares de quilômetros de seu caule e folhas.
E haverá sempre circunstâncias, à chegada ao destino, que irão atenuar ou agravar esta situação. Tudo isso, sem dúvida, tem consequências para a saúde psychological.
A fronteira entre a saúde psychological e o sofrimento
O psiquiatra espanhol Joseba Achotegui é secretário da Associação Psiquiátrica Mundial e trabalha com questões relacionadas à migração. Ele começou a notar certas mudanças em 2002.
“Fronteiras foram fechadas, políticas anti-migração mais rígidas foram criadas, as pessoas não tinham mais acesso a documentos e havia uma enorme luta para sobreviver”, disse ele à BBC Information Mundo – o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Essa nova situação gerou reflexões sobre a forma como os pacientes chegavam para consultá-lo. “Eles estavam indefesos, assustados, não podiam continuar”, disse ele.
Em specific, ele observou que muitos migrantes que passam por situações difíceis apresentam “uma reação de estresse muito intensa, crônica e múltipla”. Achotegui chamou essa condição de “síndrome de Ulisses”.
O psiquiatra esclarece que não se trata de uma patologia, já que “o estresse e o luto são normais na vida”, mas destaca a peculiaridade da síndrome que, por sua vez, deixa o migrante numa fronteira – não geográfica, mas psicológica, entre a saúde psychological e o transtorno .
Luto migratório x síndrome de Ulisses
Costumamos associar a palavra “luto” ao sentimento que ocorre após a morte de um ente querido. Mas os psicólogos relacionam o termo a qualquer perda que as pessoas sofram, como deixar um emprego, separação de um casal ou mudanças em nosso corpo.
“Cada vez que experimentamos uma perda, temos que nos acostumar a viver sem o que tínhamos e nos adaptar à nova situação. Ou seja, temos que trabalhar com o luto”, explica a psicóloga espanhola Celia Arroyo, especialista em luto migratório.
O luto da migração está, portanto, relacionado com esta grande mudança na vida de uma pessoa. Mas tem características que o tornam especial, já que é um luto “parcial, recorrente e múltiplo”.
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É possível lamentar a língua, os costumes… ou a paisagem
Em parte porque não é uma perda complete, como acontece com a morte de alguém; recorrente porque, como qualquer viagem, pode ser reaberta com comunicação com o país ou simplesmente olhando uma fotografia no Instagram; e mais, porque não é apenas uma coisa que se perde, mas muitas.
Joseba Achotegui agrupou essas derrotas em sete categorias.
O mais óbvio costuma ser a perda de familiares e entes queridos. Há também uma perda de standing social – o que, segundo Arroyo, costuma ocorrer com a condição de migrante, mas se, além disso, “o país é xenófobo, surgem grandes dificuldades”.
Outra dor do migrante é a perda da terra: saudade, por exemplo, de uma paisagem montanhosa ou de dias ensolarados.
Some-se a isso o luto pelo idioma, que será mais forte nos casos de migração para um país onde se fala outra língua. Pode ser uma forte barreira, por exemplo para trâmites burocráticos ou para enviar um simples e-mail.
Há também uma perda de códigos culturais. Pode representar algo tão simples como não ter com quem dançar uma música típica ou tomar uma bebida native do país de origem.
E, ligada a essa perda, está a perda de contato com o grupo ao qual pertencemos – aqueles com quem podemos falar nos mesmos códigos, que entenderão nossas gírias e nossa forma de ver a vida.
A síndrome de Ulisses ocorre quando o migrante, além de ter que passar por esses períodos normais de luto, enfrenta circunstâncias difíceis, como explica Achotegui.
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Existem vários fatores que podem estressar um migrante no país de acolhimento
fatores desencadeantes
“Quando há dificuldades ou a pessoa é rejeitada na sociedade que a acolhe, pode acontecer essa síndrome”, explica Guillermo Fauce, professor de psicologia da Universidade Complutense de Madri, na Espanha, e presidente da organização Psicologia sem Fronteiras.
Chegar a um novo país com um emprego estável é muito diferente de não ter segurança; bem como se você tem um teto sobre sua cabeça e comida, ou entra com um visto ou situação authorized a ser definida. Ter ou não ter certas condições adiciona pontos e estresse.
“A rejeição que pode ter maior impacto é não ter documentos ou não ter acesso a determinados recursos”, diz Fauce.
Achotegui explica que essa situação deixa os migrantes impossibilitados de seguir em frente, criando tensões e problemas de sobrevivência – outro gatilho para a síndrome.
Pode-se acrescentar ao panorama que não temos pessoas ao nosso redor para oferecer apoio, não só materialmente (onde morar, comer e dormir), mas também emocionalmente. “Muitos migrantes sofrem situações de solidão, estão isolados”, aponta Achotegui.
Fauce aponta que há também um suporte simbólico que, quando ausente, torna-se outro fator desencadeante. Trata-se do reconhecimento e compreensão do ambiente sobre as condições do migrante, “que ele passa por uma situação complicada, passa por muitas tristezas e que lhe é oferecido um período de transição na sociedade que o acolheu”.
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Os especialistas recomendam que os migrantes estabeleçam vínculos com a sociedade de origem, mas também com a sociedade que os acolhe
Às vezes você pode pensar que “o pior” já passou quando você cruza a fronteira em más condições. Mas no país de acolhimento, a sensação de estar indefeso, sem direitos e com possíveis abusos laborais e sexuais pode dar origem a um quarto fator desencadeante: o medo.
Os especialistas consultados acrescentam que essa situação de vulnerabilidade pode levar à síndrome de Ulisses, principalmente entre as mulheres.
O que pode acontecer e quando devemos estar em guarda
Achotegui esclarece que os sintomas podem ser os mesmos de quando estamos passando por um momento ruim: sono ruim, dificuldade para relaxar, dores musculares ou de cabeça, tédio, nervosismo e tristeza.
Fauce aponta que, por um lado, o migrante pode entrar em uma espécie de estado depressivo e triste, fechando-se em si mesmo, e, por outro, pode tornar-se hiperativo e ansioso, o que acaba consumindo energia.
Isso pode levar a síndrome de Ulisses a ser confundida com outros transtornos mentais, como depressão ou estresse pós-traumático, e acabar sendo medicada. Mas neste caso, quando os obstáculos que deram origem à síndrome são resolvidos (disponibilidade de trabalho, alguma estabilidade, menos estresse, and so forth.), a síndrome desaparece.
“Se o migrante segue em frente, consegue um emprego e consegue uma certa estabilidade, mas os sintomas continuam, é preciso avaliar outra coisa e é preciso intervir de outra forma, porque pode ser que já haja algo mais no native. nível psiquiátrico, por exemplo uma depressão”, explica Achotegui.
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Praticar exercícios e ficar mais próximo do ambiente doméstico pode ajudar a reduzir o estresse
Portanto, quando o desconforto se torna permanente ou nos impede de seguir em frente com a vida, devemos soar o alarme.
Outros sinais de alerta destacados por Fauce são possíveis explosões de raiva, danos às relações sociais ou “pegar atalhos, como consumo de drogas ou álcool, gastos extravagantes ou esportes arriscados”.
O que fazer ou não fazer
“É importante criar uma rede de apoio social, manter contato com outros imigrantes e dividir moradia”, enfatiza Célia Arroyo. Para isso, é bom procurar migrantes da mesma nacionalidade ou grupos de apoio específicos.
Achotegui diz que isso oferece “menos risco de doença psychological”, mas estar muito enraizado na comunidade de origem pode levar a menos progresso. “Se você não se integrar à sociedade de acolhimento, o progresso será difícil. É uma questão de equilíbrio”, explica.
Ou seja, o jeito é manter as “raízes” com água, mas sem esquecer das folhas, que devem ficar onde possam receber o sol.
Achotegui também recomenda fazer exercícios e atividades que reduzam o estresse.
Fauce aponta que “não funcionam cortes radicais, nem decisões drásticas”, seja em relação ao país de origem ou ao país de acolhimento, bem como nas relações que se criam nos dois países.
Arroyo ressalta que, embora seja difícil dar um tempo preciso, é bom pedir ajuda psicológica se o sofrimento não diminuir em até três meses após conseguir a estabilidade.
O que os outros podem fazer
A comunidade anfitriã desempenha um papel importante, mas quem não passou por essa situação pode não entender o que significa o luto da migração, nem o estresse de longo prazo causado pela síndrome de Ulisses. Então talvez você não saiba como ajudar, o que dizer ou o que fazer.
Celia Arroyo recomenda que o ambiente do migrante permita que ele se expresse livremente nesta situação e fale sobre o que está acontecendo e como se sente.
“É importante não minimizar o sofrimento, nem criar falsas esperanças” perante um futuro incerto quando, por exemplo, o visto e o emprego não chegam. Como em todo luto, deve-se evitar frases como “vai passar emblem”, “não é por isso”, “é o seu medo” ou “tudo acaba bem”.
Achotegui sugere não simpatizar ou vitimizar. “Você tem que encarar isso com respeito e até alguma admiração. O migrante é uma pessoa forte, alguém que está seguindo em frente.”
Por outro lado, é importante respeitar sua cultura, mentalidade e visão de mundo.
Se é difícil se conectar emocionalmente com alguém nessa situação, Fauce nos lembra que todos nós já sofremos algum tipo de perda. Portanto, conectar-se ao sentimento que já tivemos é um bom exercício para criar empatia com o migrante.
E acredite que, como escreveu a uruguaia Cristina Peri Rossi, emigrar – partir, em suma – é sempre partir em dois.
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