Brasil A Argentina precisará fornecer ativos reais como garantia em transações em moeda única com o Brasil para que o plano de fato decole, segundo fontes do governo ouvidas pela reportagem.
A criação do chamado da moeda única faz parte da estratégia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de estreitar as relações comerciais com a Argentina no momento em que a China assume o espaço do Brasil na região.
O modelo analisado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), prevê que os bancos emprestem aos argentinos o actual necessário para pagar as importações, eliminando o dólar como moeda intermediária nessas transações.
Haddad pretende usar o Fundo Garantidor de Exportações (FGE) para desbloquear linhas de crédito e financiar importadores argentinos que queiram comprar produtos produzidos no Brasil, mas não conseguem por falta de dólares no país vizinho.
A necessidade de a Argentina fornecer ativos reais seria, portanto, equivalente às garantias brasileiras que serão fornecidas por meio do FGE.
A peça central seria a criação de um mecanismo de compensação comercial entre os dois países. Não se trata, portanto, de introduzir uma moeda propriamente dita, como o actual ou o peso, que continuaria existindo independentemente. A questão é destacada por interlocutores do governo porque, desde que a ideia circulou, o hype em torno do tema aumentou as críticas à medida.
O peso argentino tem dificuldade em aceitá-lo nas transações comerciais internacionais, principalmente com a crise inflacionária que assola o país e enfraquece o poder de compra da moeda native.
As exportações para a Argentina aumentaram 29,3% em 2022, atingindo US$ 15,4 bilhões. Esse valor representa 4,6% das vendas externas do Brasil, colocando o país como o quarto maior parceiro comercial do Brasil.
No modelo em desenvolvimento, os bancos fariam pagamentos diretamente ao exportador brasileiro para evitar que a moeda brasileira – mais forte que o peso – fluísse para a Argentina e fosse trocada por dólares, o que não é o objetivo da política.
O importador compromete-se então a liquidar a operação com o banco no futuro e em termos reais. Em caso de inadimplência, as garantias serão acionadas.
O FGE tem hoje um patrimônio de R$ 43,4 bilhões, que o governo acredita ser mais do que suficiente para cobrir a operação – incluindo a margem para cobrir o risco de uma nova desvalorização do peso. O Brasil também está em uma posição externa muito mais confortável, com mais de US$ 330 bilhões em reservas internacionais.
Mas também haverá garantias da Argentina. Como o país vizinho não possui dólares, essa garantia será prestada em ativos tangíveis, como barris de petróleo ou outras commodities. Eles precisarão estar localizados em locais onde a execução de garantias seja clara e certa, talvez em outro país.
Em pergunta e resposta sobre a moeda única, o Ministério da Fazenda diz que esse sistema de compensação entre os dois países poderia, por exemplo, viabilizar a exportação de automóveis e têxteis brasileiros e a importação de gás e trigo argentinos.
“Para isso, você precisa de uma unidade de conta e um meio de troca. Uma moeda única resolverá o problema [câmara de compensação], o saldo last deste comércio. Se for feito com o dólar, estará sempre condicionado pela política monetária norte-americana”, lê-se na pasta.
Recebida negativamente pelos agentes do mercado financeiro, a proposta não é vista como “necessariamente maluca” por Tony Volpon, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central. O economista destaca que a Argentina é potencialmente um grande mercado para o Brasil.
“Facilitar e abrir esse mercado para as exportações brasileiras sem correr riscos excessivos de crédito, se for de prazo razoável e tamanho razoável, até vale a pena. Mas temos que lembrar que muitas vezes essas coisas não dão certo e muitas vezes acontecem falhas”, diz ele.
Ele acredita que o governo brasileiro assumirá um risco de crédito contra um país que lutou para honrar suas dívidas no passado. A Argentina teve que negociar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2022 para evitar a inadimplência de suas dívidas.
Para Volpon, a moeda única pode ser uma forma de o Brasil retomar relações mais amigáveis com um importante parceiro, mas ele vê a proposta como um “truque”. “Você pode negociar em suas moedas, mas no last do dia tudo o que você quer é um dólar”, diz ele.
No acordo assinado pela delegação brasileira na Argentina, o Ministério da Fazenda prevê que um possível ponto de partida para uma moeda comum seria o Sistema de Pagamentos em Moeda Native (SML), mecanismo criado em 2008 e administrado pelo Banco Central do Brasil em parceria com parceiros na Argentina, Uruguai e Paraguai.
A SML tem como foco facilitar as transações entre os países do Mercosul. Para servir a moeda comum com a Argentina, porém, isso não é suficiente e deve ser melhorado. O documento menciona a possibilidade de ‘alargar a sua aplicação e âmbito, tendo em vista o comércio livre e incluindo o comércio de serviços’.
As discussões sobre o desenvolvimento de um canal para facilitar as transações comerciais em moeda native entre o Brasil e a Argentina começaram em 2005 e duraram três anos até o projeto entrar em operação.
A criação do sistema só foi possível depois que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou uma resolução em 2007 permitindo que exportadores brasileiros de bens e serviços recebessem pagamentos em reais.
O SML tem possibilitado, na prática, a realização de operações comerciais por meio das moedas locais dos países do Mercosul, sem a utilização do dólar como intermediário nessas operações – embora as compensações entre os bancos centrais sejam feitas em moeda norte-americana.
A responsável pela implantação do sistema foi Maria Celina Arraes, ex-diretora de relações internacionais do BC. Ele explica que o objetivo do sistema period incentivar os pequenos exportadores, reduzindo o custo das operações, e estimular o comércio exterior de pequenas e médias empresas que não teriam condições nem porte para atuar no mercado de câmbio.
Um objetivo secundário seria ampliar a integração regional dos países latino-americanos, impulsionando o Mercosul. “As pessoas diziam que period o início de uma possível internacionalização da realidade”, diz Arraes.
Segundo Henrique Meirelles, então presidente do BC, o sistema facilitou a operacionalização do fluxo comercial entre Brasil e Argentina, principalmente devido à escassez de dólares no país vizinho. “Foi bem resolvido porque havia um certo saldo comercial”, enfatiza.
Meirelles destaca que atualmente há um desequilíbrio na balança entre os dois países, com o maior quantity das exportações brasileiras. “Isso pode gerar o acúmulo dessas reservas [futura moeda comum] no Banco Central do Brasil”, afirma. Para ele, o superávit brasileiro é um obstáculo para o sucesso do modelo.
Embora o SML tenha facilitado as transações entre economias, sua contribuição para o comércio bilateral permanece limitada até hoje e está focada nas exportações brasileiras.
O sistema operado pelo BC apresenta uma série de limitações, como atrasos no processo e limitações relacionadas à falta de contrato de câmbio. (Por Nathalia Garcia e Idiana Tomazelli – Folhapress)