Chegamos ao closing da aula de português para ucranianos ministrada pela professora Margarida Mouta no Centro Comunitário São Cirilo, no Porto. Na pequena sala improvisada encontramos Iulia Sikekina, que chegou a Portugal há três semanas. Nas aulas, foram aprendidas expressões como “revolução dos cravos”, “educação para todos”, “liberdade”. “Como o 25 de abril será comemorado agora, e como o presidente Zelensky referiu especificamente e Iulia ouviu com muita atenção, foi interessante para ela”, diz a professora.
Iulia, de 45 anos, fala russo, ucraniano e “um pouco de português”. É o filho de 11 anos que costuma ajudar com o inglês, mas agora ele está na escola. Quando vieram para Portugal? Iulia responde “um momento” e olha nas notas: “Vinte de ‘Marchar“… março”, diz ele. Ela vem de Kharkiv. Há mais familiares lá? Iulia revisa suas anotações. “Mãe, filho, irmã, prima e prima”, diz. Eles estão bem? Ele leva as duas mãos ao peito, como se tivesse o coração nas mãos.
À medida que as perguntas se tornam mais complexas, as pessoas pegam seus celulares para procurar um aplicativo de tradução. O filho que ficou lá está lutando na guerra? “Ele não pode sair do país”, diz Iulia em ucraniano ao tradutor, que traduz a frase para o português. “Mas ele não briga”, acrescenta Mariana Rozeira, Diretora Técnica do Centro São Cirilo, que conhece cada cantinho da casa. Perguntámos através do tradutor se a família da Iulia pensa vir para Portugal. “Não, não”, ele nos diz. Depende de como a situação se desenvolve.
O acolhimento de refugiados em Portugal, embora longe do ultimate, tem sido alvo de escrutínio e algumas melhorias ao longo da última década, visto que os fluxos migratórios aumentaram significativamente e o país recebeu a parte que lhe foi atribuída pela UE. Agora, com um conflito às portas da UE, as pessoas que deixaram a Ucrânia encontraram um regime especial que lhes permitiu acomodar o grande número de pessoas que chegavam.
Os governos receberam milhões de euros da UE para apoiar os refugiados ucranianos. Em Portugal, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) criou um grupo de trabalho e através da plataforma on-line SEF para a Ucrânia, as pessoas podem solicitar proteção temporária ao Estado português, com o prazo de um ano. Hoje, todos os que vêm da Ucrânia recebem um número de contribuinte, número de segurança social e número de utilizador do SNS dentro de uma semana – “números mágicos” para aceder mais facilmente a cuidados de saúde, renda ou contrato de trabalho.
O estatuto de refugiado – ou no passado requerente de asilo – confere alguns direitos aos estrangeiros que foram obrigados a deixar os seus países, nomeadamente apoio para poderem viver em Portugal. Os chamados migrantes econômicos, que saem de seu país em busca de melhores condições de vida, não têm as mesmas facilidades.
O acesso a documentos, por exemplo, não acontece facilmente para todos os estrangeiros que chegam a Portugal, mesmo aqueles que, com os seus familiares, segundo inúmeros relatos, são necessários para manter a vitalidade da nossa economia. E muitas vezes, diz Mariana Rozeira, diretora técnica do CCSC, é a falta de um daqueles documentos cruciais que bloqueia todo o processo, criando um ciclo difícil de quebrar para os imigrantes que tentam reconstruir suas vidas aqui.
“Integração humanizada” para todos
Entre as recomendações dos painéis de cidadãos da Conferência sobre o Futuro da Europa, o grande exercício de auscultação dos europeus cujas conclusões serão apresentadas a 9 de maio, encontra-se um grupo dedicado especificamente à temática da migração. Por um lado, propõe “a implementação de uma política migratória comum e coletiva na UE, baseada no princípio da solidariedade”, com “acomodação humana para refugiados”.
Por outro lado, “especificamente no que diz respeito aos migrantes económicos”, os cidadãos recomendam que a UE “proceda à possibilidade de triagem dos cidadãos (segundo competências documentadas, antecedentes, and so forth.) no país de origem”, de forma a “determinar que está qualificado para trabalhar na UE”. A União deve também apoiar “a gestão do acolhimento inicial, que conduz à eventual integração ou repatriamento de migrantes em situação irregular”.
Mas o que se observa é que a linha entre migrante econômico e refugiado às vezes é uma ficção. Na prática, “às vezes as situações não são tão claras”, nota a psicóloga Rita Santos, que trabalha no centro desde 2013. E não faltam exemplos novos que nos podem desafiar. O conceito de refugiado ambiental, até certo ponto defendido pelos painéis de cidadãos, ainda não faz parte da lei. “Uma pessoa que foi vítima de um desastre pure, como um tsunami, não se qualifica como refugiado.”
Além disso, “podemos ter migrantes ou refugiados do mesmo país”. Rita Santos dá o exemplo de quem veio da Venezuela, onde o colapso económico, a agitação widespread e a perseguição política levaram muita gente a deixar o país. Mas apenas algumas dessas razões deram acesso ao standing de refugiado.
A psicóloga destaca o que considera elementary: “É importante a integração das duas partes. A distinção em si não tem uma conotação positiva ou negativa, é apenas para reconhecer que têm pontos de partida e características diferentes, mas não invalida o facto de, por exemplo, os imigrantes também poderem ter direito à integração. E deveriam, porque vêm para enriquecer os países dos quais fazem parte.”
Tanto para os chamados imigrantes económicos como para os refugiados e requerentes de asilo, o processo de integração passa muitas vezes pelos mesmos caminhos: aprender a língua, adaptar-se à cultura, conhecer as instituições, obter ajuda para ultrapassar a burocracia, encontrar um lar, procurar por um trabalho. “Esta porta é de todos”, diz a advogada Leonor Oliveira. Para o coordenador do escritório jurídico, é importante que “essa integração seja humanizada”.
Para H., 31 anos, Portugal foi um lugar de descanso, nove anos depois de se ter twister membro da UE. Ele deixou a Argélia em 2013, junto com sua esposa e enteada. Eles moraram primeiro na Alemanha, onde teve empregos informais, depois na Espanha. Chegaram ao Porto há cinco meses, mas a cidade já os conquistou.
Conseguir um número de contribuinte não foi tarefa fácil. Falhou na primeira tentativa porque não tinha os elementos necessários. Aí acabou por conseguir com a ajuda de um amigo – português também acolhido no centro – que veio com ele para as Finanças. No entanto, ele já conseguiu regularizar os documentos. “Agora eu tenho todos os papéis. Tenho passaporte, tenho NIF, tenho morada, tenho conta bancária, diz com um sorriso rasgado. No início de maio, devem começar as obras. Ele conta que tem experiência como encanador, profissão que exerceu na Argélia, e também em limpeza, profissão que exerceu durante os anos que passou na Alemanha.
Acha que Portugal tem uma política migratória melhor do que a Alemanha ou a Espanha? “Tenho nove anos na Europa. Morar na Alemanha foi muito complicado. Eram racistas, discriminavam os estrangeiros. O melhor para mim neste momento é Portugal. Tenho muita sorte aqui.” Ele não volta para a Argélia desde 2013, mas espera ir em breve. “Sinto muita falta da minha família. Então volte para cá. Porque agora meu país é aqui.”
Francisca Góis, do gabinete de animação e voluntariado, está em São Cirilo há apenas um mês. É a primeira experiência profissional com foco no trabalho com imigrantes. O que te surpreendeu nestas semanas em que conheceste a fundo as histórias de vida de pessoas que chegam a Portugal e lutam para recomeçar? “Uma das coisas que mais me confunde é que realmente há muita discriminação contra os estrangeiros”, nota, a propósito da exploração da vulnerabilidade dos imigrantes, sobretudo dos que se encontram em situação irregular, em contextos como o acesso a habitação ou contratos de trabalho, mas também para ultrapassar a burocracia, com tantos “números e cartões”.
“Ao mesmo tempo, podemos ver a rapidez com que as pessoas se tornam autónomas”, observa, com alguma surpresa. “É realmente apenas uma fase.” Com o apoio e acompanhamento necessários, diz, “as pessoas fazem as coisas com, digamos, um curso regular”. Aliás, acrescenta que trabalhar neste contexto evoca uma grande empatia: “As pessoas que servimos bem podem ser nós. Uma senhora estava aqui com a filha, e emblem pensei na minha filha… Quem garante que se uma bomba caísse em cima de mim eu não estaria naquela posição?”